quarta-feira, 23 de abril de 2014

Salve! Com as armas de Jorge e o olhar desarmado


Já que estou trabalhando no feriado de São Jorge, que mal faz aproveitar a hora do almoço e ir até sua igreja, aqui no Campo de Santana, pertinho do trabalho? Que bom que eu fui! São Jorge não é dos devotos, dos católicos, dos umbandistas ou candomblecistas. São Jorge é do coração dos cariocas, da grande massa que vê nele o símbolo da luta incansável, da perseverança, da fé de que tudo é possível - desde que você esteja guerreando com confiança.

Chegar na rua da paróquia, onde acontece missa de hora em hora num palco montado e onde está a rocambólica fila para entrar na igreja, já me emocionou. As pessoas vivem esse momento de fé com tanta intensidade que a energia é palpável, poderia dizer que para passar por essa energia só abrindo caminho com uma lâmina da planta Espada de São Jorge, vendida ao lado de rosas vermelhas, flor crista-de-galo, fitinhas, camisetas e... cerveja, que ninguém é santo - e o próprio dono da festa não se incomoda.

Depois de um tempo na fila, o menino atrás de mim me informou que eu tinha furado, que o fim da fila era muito lá atrás. Mas a mãe, no espírito do dia santo, ensinou ao garoto: "Não tem problema, ela já está aí, deixa". Pedi desculpas, sem graça, e senti que o meu constrangimento tinha deixado a mãe do garoto constrangida, tão natural que foi para ela me deixar lá na frente da família. E assim segui na fila, olhando em volta a movimentação ecumênica: pais de santo jogando búzios, outros devotos de Ogum dando passe em quem quisesse, usando as tradicionais ervas de limpeza, pessoas cantando emocionadas, ouvindo a missa, padres em um canto da grade serenamente observando a multidão, muitas pessoas distribuindo o santinho do santo, com a ajuda de algumas mãozinhas gordinhas, de crianças, que já entendem o compromisso de se fazer uma promessa.

São várias formas de se viver a religiosidade, e isso sempre me encanta no Rio. A São Jorge pede-se as armas para se proteger dos inimigos e para estar pronto para todas as batalhas. A São Jorge pede-se abertura de caminhos para a vida se resolver, caminhos para alcançar seus sonhos. 

E foi assim, depois de me espremer para tirar essa foto com uma luz linda brilhando no escudo do guerreiro, com um minijorginho à frente e uma devota que ajudava as pessoas que queriam colocar flores aos pés da imagem, volto pela estação do metrô e um rapaz que estava visitando o Rio, de bota, calça jeans e bicicleta, me pergunta: "Qual metrô eu pego para chegar em qualquer praia?" Indiquei a plataforma, enquanto alguma pessoas riam do traje pouco apropriado do turista, que simplesmente deveria estar querendo viver um dia feliz passeando à beira-mar do Rio de Janeiro. Vendo o rapaz entrar no vagão, pensei: que importa, para ele, o que estão pensando? São Jorge dá os caminhos para qualquer sonho ou desejo de ser feliz, nem que seja num dia de feriado nublado.

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